Me beije

No exato momento que entrou no restaurante eu soube que era você. Não pelo desconforto imediato que ele demonstrou, não sei, acho que foi o seu magnetismo mesmo. Passou levemente pela mesa, balançou meus cabelos com o movimento suave dos quadris, deixou um pouco do doce perfume e, ali, tive a certeza de que era você.

Não nego que já havia visto sua foto, pessoalmente é muito mais bonita. Não esperava outra coisa mesmo, nota-se que há motivos para ter acontecido tudo como foi.

Continuei ali, mantendo a conversa inicial. E nem estava tediosa, pelo contrário. Ainda assim fiz questão de que sua presença não fosse notada, pelo menos para que ele não soubesse que eu lhe reconheci de imediato. Acho que nem passou pela cabeça dele que eu sabia, eu sabia de tudo.

O olhar dele lhe procurou sorrateiro, devagar, por cada canto do ambiente. Me surpreendeu que não conseguisse lhe localizar tão logo... era só sentir o rastro do aroma adocicado que seu perfume deixou no ar; ou só eu senti insistentemente? 

Inquieto, amedrontado no fundo, me olhou e viu o quão profundamente eu o observava. Me perguntou se estava tudo bem, com medo de eu lhe questionar o movimento constante dos olhos, e eu, claro, com o comportamento mais cínico possível, disse que estava tudo maravilhosamente ótimo.

Pedi uma taça de vinho (precisava de álcool àquela altura). Ao movimento do garçom enchendo a taça, já exigi a garrafa que por ali deixou. Espantado, apenas entrou na vibe e serviu-se com um pouco mais do vinho; me deu a entender que também precisava da bebida, igual ou até mais que eu.

Que situação nos colocou. Na verdade, nem sei se foi você pela presença, ele pela procura por você ou eu que examinava cada detalhe desta encenação absurda. A dele, quero dizer, nem sei se você viu que estávamos ali.

Sentou-se, alinhadamente, três mesas de diferença da nossa. Bem, bem em frente a mim. Pude assim, notá-la ainda mais, como um tortura humilhante, interna e fria, que eu mesma me impunha. Não doía na verdade, era mais curiosidade, entender o que aconteceu com aquela paixão nossa, minha e dele, que acabou chegando até você.

E ali foram mais duas ou três taças do vinho que ficou na mesa. Meus olhos, não mais os dele, lhe guardavam como um presente inebriante. Era realmente um magnetismo sem igual. Ele estava ali apenas como meu acompanhante maçante. 

O tom vermelho do seu batom estava mais interessante ao meu olhar do que qualquer outra cor do recinto. A maneira como balançava os ombros ao rir me faziam descobrir que as alças do vestido estavam largas... com o movimento deixavam à mostra seu colo, quase um pouco a mais do que deveria e exatamente o suficiente para despertar algo que eu não soube explicar prontamente. Explicar não, mas, definitivamente, senti.

Assim que fez menção em levantar, e imaginei que ia ao banheiro, fiz o mesmo gesto. Levantei sem pensar e lhe segui. Abriu a porta e, surpreendentemente, segurou-a para que eu entrasse também. Só me olhou e esse foi o comando. Entrei, então.

Fitou-me, por longos minutos. A única frase que consegui dizer, naquela mistura de vergonha e vontade, foi: me beije, quero saber o porquê.

Acho que esperava esse movimento ainda mais que eu mesma. Tão macios, tão suaves, movimentando levemente os meus. Não parei, nem você. Fomos interrompidas. Infelizmente, pensei!

Voltou pra sua mesa. Fiquei ali esperado as pernas responderem ao meu comando novamente. Consegui voltar, sentei e, a partir daquele momento, eu entendi a insistência dele naquilo tudo. Não havia mais como voltar atrás; nem pra ele e nem pra mim. 

Depois de muito tempo juntos, eu e ele tínhamos algo em comum de novo...

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