A saudade me pegou distraída numa terça-feira chuvosa de maio
Se eu te disser que ela veio numa tarde de domingo, aquela
em que o sol está saindo de cena, deixando uma pintura lírica no céu, com tons
de lilás, quase como uma pintura de Van Gogh, eu estaria cometendo uma falácia.
Até porque, se assim fosse, ela me pegaria atenta, é um bom dia para se sentir
nostálgica.
Mas não, ela veio num dia completamente aleatório, era uma
terça-feira, segunda semana do mês de maio, com chuva. Acho que foi aí que me
pegou: a chuva. Essa tem mesmo uma magia por trás dos seus feitos.
Aquele cheirinho subiu, o barulinho que vem a cada tilintar
das gotas na calha de casa me fizeram até desconsiderar que nem era tempos de
terra molhada. A sensação da brisa leve que veio com a manifestação do céu,
trouxe-a: a saudade.
Saudade de me sentir sem culpa. Culpa por não estar sendo
produtiva como esta era nos impõe, por exemplo. A cada minuto há de se ter um
resultado de algo que, com certeza, tem que afetar a vida de outros, e a sua,
de forma a se ter um ganho rentável com isso.
Culpa porque não respondi às mensagens que me chegam sem
hora marcada, em momentos inoportunos e sem convite. Imediatismo parece-me que
virou sinônimo de importância.
Aquela pequena, mas significante, culpa por não estar
disposta a socializar ainda que a presença seja requerida por próximos, afinal,
sua posição na vida alheia conta e precisa estar em dia com o ponto, como um
registro oficial da jornada de relação.
Culpa porque seu alarme tocou mais de duas vezes no celular
e pediu, encarecidamente, àquele aparelhinho funcional (ou não) mais cinco
minutinhos. A disposição matinal é imposta como um medidor de sucesso e
definidor inflexível de carreiras.
Senti mesmo saudade de não ter peso na consciência porque
diz-se que só és bom leitor se leu ao menos 60 livros ao ano, sendo que a
rotina nos impede, muitas vezes, de ler a bula do bolo de cenoura que vem
resumidamente na caixa onde constam as instruções.
Vem, em meio a tudo isso, a culpa porque não cuida do seu
templo sagrado concedido pela divindade. Atividade física é obrigatória,
principalmente num momento da vida em que qualquer movimento é acompanhando de
uma reclamação devida, seja de dor ou preguiça mesmo.
Culpa porque tomou no café da manhã apenas seu café preto,
sem açúcar.
Então, sim, numa terça-feira, segunda semana do mês de maio,
com chuva, senti-me com muita, muita saudade de estar leve. Essa culpa toda é
pesada principalmente com é inflexível, quando argumentos não cabem e nem devem
mesmo. Até porque o sentido aqui é não ter que carregar mais isso, as decisões
são individuais e as explicações disso ainda mais!
Ninguém leva em conta os ócios do ofício! Pois sim. É tão
pesado achar que a produtividade está ligada à ocupação integral do ser.
A resposta e entrega que cada pessoa tem de mim faz parte de
uma colheita dentro uma relação estabelecida. Respeitando, inclusive, momentos
individuais de reclusão e reconexão. O imediatismo acaba com a espontaneidade
e, pra mim, com a sinceridade também! Nada forçado tem a intensidade de uma
verdade como a liberdade de ser quando e como quiser!
Leio meus bons livros, e sem expor a quantidade. Ainda que
eu confesse que a prateleira de ‘não lidos’ é maior do que a de livros já
devorados. Mas isso pode ter uma outra explicação (não a de que não leio. Que
blasfêmia!): a de que há mais conhecimento no mundo e histórias interessantes
que quero ler do que dias suficientes. Não preciso contabilizar. Aqui se encaixa
perfeitamente a frase: qualidade não está ligada à quantidade. Poderíamos dizer
acerca da constância, mas sem polêmicas!
Sem culpa, sem remorso. A saudade me veio mostrar que em
tempos em que eu podia, e posso, tomar apenas meu café preto sem açúcar pode
fazer bem para o meu mental e isso não me torna relapsa com meu corpo. Um dia,
apenas um dia em que me dou ao luxo de ser simplória, não tira todo o cuidado
diário intenso dos demais. E isso nem deveria ser pauta para julgamento alheio.
A saudade pegou-me distraída, realmente. Mas ainda bem que
sou aberta, pois a agarrei e a fiz realidade.
A nostalgia nos rememora momentos felizes (ou não), que
poderiam ser aplicados novamente. Ainda bem que os vivi, assim posso mesmo
trazê-los como boas lembranças e me manter eu mesma, com toda essa bagagem que
já foi.
E quer saber?: respondo quase que imediatamente a
quem me aciona, fico mais meia hora na cama antes de levantar de manhã e
compenso com mais meia hora de cochilo após o almoço... e meu café... ah, esse
continua sendo preto sem açúcar e sem mais! E assim termino de acompanhar a
chuva de maio, sem nexo e completamente necessária.

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