A verdade mesmo é que ninguém está realmente pronto pra cuidar de quem foi abrigo
No fundo da verdade mesmo, e que muitas vezes procuramos não pensar a respeito, é que tem situações na vida que seremos surpreendidos. Será assim: de repente, chega como um furacão, sem aviso, só com sua imensa urgência.
Eu achei que me preparava há anos, que considerar todas as situações imagináveis seria uma forma de me ver alerta e pronta. Enganei-me total e profundamente. Há nuances tão profundas que não inalcançáveis que só são acessadas quando vivenciadas no âmago do acontecimento.
Vivemos uma parceria linda, com distrações devidas, com respeito mútuo e alegrias infinitas. Nosso encontro sempre foi tema em rodas de amigos e familiares. Somos um equilíbrio, costumávamos brincar que nos assemelhávamos à yin e yang, sabe? Aquele conceito chinês que descreve duas forças opostas, mas totalmente complementares, que interagem e se apoiam... Conceito de preto e branco: elegante, versátil, complementar... Nós!
Isso perdurou a vida, a nossa vida juntos. Mãos sempre juntas ao caminhar, ainda que o destino fosse tão curtinho. Cumprimentos de despedida, troca de olhares aleatórios, apaixonados sempre, sem dúvida. Acho que isso nos fortaleceu e nos destacou num mundo em que pequenos gestos são obrigatórios como provas a serem publicados em redes sociais rasas... Somos de eras em que o sentimento era sentido e não estampado. Isso realmente nos fortaleceu.
Acredito que imaginar toda nossa vivência seria assim, linear, fácil de lidar, poderia até ser considerada ingenuidade...mas acho que é porque eu estava vivendo essa vida pela primeira vez!
Hoje, sentada na beirada da cama contigo, segurando sua mão frágil e sentindo o compasso de sua respiração lenta, me fez feliz, isso porque de alguma forma ainda está comigo. Pergunto como foi seu dia, aquelas poucas horas em que me afastei, e me devolve a resposta com outra pergunta: quem é você?
Instantaneamente quero chorar. Balanço a cabeça, negando a mim mesma essa realidade que não prevíamos. Mas me acalento pensando que ainda está comigo, de alguma forma tem sua presença em mim. Lhe conto nossa história, mais uma vez. Você me olha tão gentilmente, procurando um reconhecimento em mim, na minha voz, no toque aveludado que coloco no conto de fadas que as palavras parecem montar ao sair da minha boca. Se assusta nos momentos de tensão e se alegra quando falo das danças que me concedeu tão galanteador, como se fosse a primeira vez que escutasse. Eu até rio, acho graça das suas reações, elas me dão um ar de frescor nos dias mais pesados, mais penosos.
A verdade mesmo, no fundo da verdade, ninguém está preparado para estar sozinho ainda que acompanhado, ninguém está preparado para cuidar de quem sempre foi abrigo. Não tínhamos acordado isso. E mesmo assim é um contrato vitalício.
É neste ponto que acredito que muitas pessoas quebram, a si e a estes combinados não assinados: esperando que o outro sempre permaneça em presença, permaneça sempre o mesmo! E não sabemos disso.
Digo, só tem uma coisa que não se pode perder quando, e se, esse momento chegar: a ternura de querer o outro. Que seja apenas a presença física, o toque frio da mão que nem reconhece mais minha pele, ou somente a permissão de que eu afague seus cabelos num toque delicado e constante.
Não costumo chorar na sua frente, não depois que entendi que essa seria nossa vida a partir de agora. Você tem um fardo muito maior que o meu. Eu continuo com as lembranças, consigo rememorar as sensações, os frenesis. Você tem a mim, apenas. Para tentar fazer com que lembre de que o nome do nosso filho é Léo. De que íamos todos os anos para o Rio. E que prefere meu cabelo longo a curto. Mas hoje uma lágrima cai, passa pela minha pele e espatifa direto na sua mão enrugadinha, que pega a minha num enlace infinito. Leva um susto, olha pra mim e isso acaba de novo comigo. Seu olhar sabe o que acontece, mas não entende mais a realidade como eu. Parece que enxerga tudo preto e branco, parece que as músicas não tem mais som, só a vibração das ondas, falta uma grande parte de tudo!
Posso ter herdado dessa nossa vida um peso. Mas ele é leve quando sinto que você é quem carrega grande parte disso tudo, como sempre fez. Eu fico é com a alegria da verdade e da sanidade. A verdade que perdura no meu coração, e que sinto que sou eu é quem transmite pra você todos os dias, e sempre, e continuamente...
A idealização de uma vida perfeita, lá no nosso início, quando ainda planejávamos o dia seguinte apenas, não me tirou a satisfação de estar com você.
Amanhã, sentarei novamente na beiradinha da cama, com você tentando entender se hoje é café ou chá, pela manhã. E sinceramente, tanto faz. Estarei a te servir, a trazer o que você achar mais conveniente hoje. ‘O de sempre’ já não funciona mais, há tempos.
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