Era sempre verão
O calor no coração transbordava, trazia efeitos no corpo, sabe? Para mim era verão, poxa! Eu sentia as gotículas de suor indevido descendo pela pele quente, molhava os tecidos mais leves, exigidos naquela quentura diária.
Tecidos soltos, que deixam o caminhar mais sutil, que nos obrigava a segurar a barra do vestido que esvoaça com a brisa, quente!
Brisa que passa após muitos pedidos suplicados, ainda que fosse apenas nas primeiras horas do dia; um amanhecer que deveria ser leve, mas já estava em sua mais alta temperatura.
Foi nessa hora que eu vi que me observava: no meu verão.
E mesmo de longe eu senti ressoar, pelo seu sorriso mais travesso, que queria passar comigo por aquela estação permanente, estação que eu fiz permanente. Percebendo isso, sem saber como chegou até mim toda essa sensação - era tão muda e barulhenta, tão longe e extremamente próxima – a minha reação automática foi te olhar de volta.
Acho que senti como um chamado obrigatório, excitante, prazeroso. E foi também ali, nessa hora, que olhei pra você a me observar, e entendi que você já era meu.
Entende que foi tudo acontecendo? Sem palavras iniciais, sem toques físicos. Seu olhar me desnudou ali mesmo e eu apenas deixei que me observasse nua, de mim mesma, no verão que eu me fazia.
Sabia que a qualquer momento eu iria querer dividir tudo isso, que eu estava pronta para ter meus próprios segredos (os quais acho que todos temos o direito de ter) e se prontificou a fazer parte dessa brincadeira totalmente adulta. Eu estava cheia de vida, excedia em mim um êxtase que há tempos você não enxergava em mais ninguém.
Foi um encontro: de exuberância e escassez, foi uma completude sem métrica e sem racionalidade. A gente assinou, nesse momento, um significante clichê: combinação de querer e não dever sê-lo.
Deixei meu caminhar mais lento para que conseguisse me acompanhar. Você, sem pressa, me chegou com um frenesi irreal, tinha na boca palavras certeiras, indevidamente decoradas para aquela ocasião nada programada, e ainda assim sabíamos que estava destinada a ser.
Meus dedos passaram facilmente por seus cabelos lisos, loiros, úmidos e chegaram a apertar sua nuca contra meu próprio pescoço, ali fez-se um encontro de lábios que desejavam muito mais do que aquele beijo único que aconteceu. Essa imagem passou a ser minha preferida: você no meu verão se acolhendo em meus braços eternos.
Tínhamos uma vida a decidir, situações a desfazer e muitas frustrações alheias a enfrentar. Você me quis pra você e eu queria a sensação que me dava... a de me desejar, me enxergar, me dizer com os olhos que você sentia muito mais do que eu, e ainda assim eu te bastava.
E como uma devida adulta, não comprometida com minha própria felicidade, entendi que as negativas que a gente tem que dar para as próprias vontades, são acompanhadas de um leve dulçor, caso contrário o fel da dura decisão seria impalatável.
Mas enfim, era o meu verão. Eu poderia ser um pouco mais complicada do que conseguiria sugerir em meus quereres genuínos. Deveras intensa, deliciosamente transgressora das métricas sociais... e eu sei que foi justamente por isso que sua atenção foi destinada a mim.
Meus cafés são amargos, minhas tatuagens são sem cor, minhas músicas preferidas são em outra língua e meu cabelo pode ser mais muito mais desalinhado do que de qualquer outra dama por aí. E você repete, sem palavras: foi justamente por isso que a minha atenção foi destinada a você.
Não contávamos era com esse envolvimento duradouro. Passaram-se as estações, e eu continuo sendo o nosso verão.
Não me envolver com você, decidir não ficar com você foi muito mais difícil do que eu confessava a mim mesma. Não sou de facilidades mesmo, mas aqui o caminho mais fácil era o mais gostoso também.
Deixo que me invada e permaneça nas poucas e infinitas horas que temos em dias escondidos e contados. Fez apenas uma pergunta, e a resposta é tão sem vergonha, que não há outra a oferecer: dança uma vida inteira nessa estação comigo?
Só respondi: como não? É sempre verão!
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