Nem um só dia
Cobrindo o rosto com a lapela do casaco verde que me deu tento me esconder de mim mesma; esconder dos meus pensamentos que me vêm sem que eu pedisse, ou melhor, sem que eu nem autorizasse. Vêm como uma imposição. Inerentes ao meu ser, bem como é a sua presença em mim mesma.
Deitada ainda, sem querer mesmo levantar nem finalizar o dia como deve-se fazer, fico curtindo esse pensamento e sentimento e consentimento do que me chega e faz sentir em todo o corpo.
O casaco, a cobrir o frio que nos chegou nestes dias últimos, é quase que inútil comparado ao que estas nossas lembranças me faz.
Meu olhar nem lhe procurava, na verdade, eu nem procurava nada. A boca sentia os prazeres apenas das noites afora, nada que me conseguisse segurar por mais tempo que isso mesmo: uma noite.
E ainda assim, nos vimos e encontramos.
Agora, relembrando, aquecida na cama que é nossa, penso que este seu sorriso nos causou uma iniciativa única, que foi capaz de alterar quaisquer planos que estavam determinados até aquela noite.
O seu pedido, a sua chegada, a sua dança, o seu beijo. Digo sempre que fui eu a causadora deste início todo de vida, quando na verdade, sabemos que foi você. Ainda é. Move e sustenta isso tudo de uma forma que me faz questionar o que há por trás dessa magnitude, desse sorriso aliciador.
Sem nem saber as horas, olho pelos vidros embaçados da janela de madeira que compõe o imenso quarto, tentando identificar se o momento é de sua chegada ou partida. É apenas isso que quero agora: saber de você. Os lençóis aquecidos, o café a esfriar na cômoda (espera eu voltar dos meus devaneios) e a porta apenas encostada. Não é costumeiro, mas me traz uma esperança de que desta vez chegará.
Olho em volta, pego a xícara não mais tão quente como gosto afinal, e não reconheço o café que eu achei que tinha feito mais cedo. Na verdade, esta não é a xícara que me sirvo todos os dias. Me pego estranhando também a cama, agora parecendo tão pequena e insossa.
As janelas já não estão tão grandes como eu achei que via, nem o casaco verde está em meu corpo como jurava estar! As grades metálicas me dão a impressão de estar presa numa realidade que não é minha. A falta de cor nisso tudo me deixa com dor de cabeça, sem graça, sem gosto, sem você.
Deito a cabeça no travesseiro seco e fino, gélido como tudo aqui, e me forço a voltar. A voltar para o início dessas nossas lembranças... Essas que conto com tanto esmero, para todos aqueles que sabem de nós. Conto como quem acredita que é uma realidade sã, e não essa loucura de estar só, sem você e sem este belo e inebriante sorriso.
Nem essa amência que me paira no peito e na mente me distanciam, nem um só dia, do que eu criei de você e juro que verdadeiramente é!
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