Loucura sã
Seus olhos verdes completavam sua beleza inacreditável, quase que insanos. Não eram apenas verdes, continham um brilho indescritível que, combinado com sua alva pele e lábios rosados, sim, deixavam-na irresistível.
Fazia questão de manter os cabelos louros bem arrumados, ondulados, desciam pelos ombros num ar sensualmente natural. Ao mesmo tempo em que sua personalidade calma, branda, transparecia uma ingenuidade própria, beirando uma insensatez equilibrada.
Morria de amores por ele, aquele que a despertou de tantas noites mal dormidas por amores nada acolhedores. Sempre que o encontrava amava-o como se fosse a última vez. Intensa sem medidas. Ou era assim ou sem encontros; casualmente não vivia, sentia que era maneira morna de viver.
Foi assim num fim de tarde quente no pequeno vilarejo onde vivia. Aguardava a chegada dele, ansiosa, claro. As sedas brancas, frias escorriam pelas curvas do corpo, o batom ainda apresentava o vermelho que pretendia e a renda cobria sua perna numa meia delicadamente escolhida para aquela recepção. Não tinha muitas opções, sempre brancas, combinavam com sua sanidade; com intenções indefinidas, ambas – as sedas e a sanidade.
Ele morava longe, demorava algumas horas para chegar, nada que a fizesse cansar mas sempre a deixava inquieta. Naquela tarde ela pedira, gentilmente, que não se demorasse, queria particularmente uma conversa diferente, sem mais.
A medida que as horas passavam, as luzes da pequena cidade se distanciavam e o quarto ficava gélido, ela temia por sua solidão. Na verdade, era a falta dele que a deixava assim. O batom já não estava tão vivo como antes, os cabelos bagunçados por um breve deitar no sofá davam um ar de desalinho.
Ao levantar, encostou-se na janela; observava do mais alto ponto todo o movimento – seu quarto ficava no andar superior. Quarto longe dos sons monótonos, vis. Olhava o passar dos faróis, nenhum fez menção de parar. Já inquieta, pegou o leque na escrivaninha, apesar do frescor da noite que chegava, sentia um calor que surgia de dentro, inebriante. Ao pegá-lo viu cair no chão um pedaço de papel já amarelado, com as dobras feitas pelo tempo dobrado. Abriu lentamente, como se já soubesse o que encontraria ali.
Aberto, leu-o. Leu novamente. Deixou-se cair na cama, sentada, em prantos. O rímel dos olhos bem feitos escorria por seu rosto já irreconhecível. Sozinha, soluçando, em prantos, relia como se não acreditasse em tal palavras... O mais estranho é que não pareciam ser palavras inéditas... Percorreu as linhas primeiras e viu a data: 18/09/2010. Sete anos, sete longos anos... Cansada pela explosão de surpresas, sensações e sentimentos quebrados, deitou-se bruscamente na cama, como se punisse a si mesma. Adormeceu...
Mais um dia amanhecia e ela ficava ali, na janela a esperar a presença mais ansiada. Alinhou os cabelos como sabia que ele gostava. Desta vez complementou a vestimenta com um xale, branco, sempre branco. Sentiu cheiro de café vindo do corredor. Esperou a porta abrir-se, ela não tinha permissão para fazer isso à sua vontade.
Disfarçou uma decepção já absorvida há dias, e recebeu o café que vinha com pequenas surpresas coloridas... Engoliu cada uma delas por comandos alheios. Voltou à janela rapidamente, tão logo ter ficado sozinha no quarto... Esperou o entardecer e perfumou-se. Ainda na janela, pegou o leque da escrivaninha e viu um pedaço de papel, dobrado, com rasgos feitos pelo tempo... A impressão é que já eram palavras descobertas há algum tempo, um pedaço de papel ingrato, abriu-o e chorou, novamente chorou.
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