Nos vemos em semelhantes ao redor
Batiam insistentemente à porta esperando que alguém de dentro da casa atendesse. Depois de longos minutos, ainda aguardando à frente da casa, uma pequena abriu. Pequena mesmo, não mais que cinco anos. Ainda de pijamas a menina pulou para o colo daquele que lhe parecia estar do seu lado.
Os demais não esperaram e logo entraram na casa. Silenciosa. Acharam os dois estavam no banheiro. Viam-se as pequeninas pegadas dela pela casa. Ao rever seus passos descobriram que ela estava escondida no armário do quarta do irmão. Carregava consigo um livro de histórias infantis, já gasto, de edição antiga, com as folhas gastas de tanto serem passadas com as pontas dos dedos. A capa que era de um azul escuro já lhe parecia cinza pelo tempo. Era o preferido, por isso o único bem que valia a pena salvar.
Parecia assustada, quieta. Nem as perguntas dos agentes ela respondia. Olhar distante, quase que relembrando o que deveriam ter sido os piores momentos de sua ainda iniciante vida. Por ser de tão pouca idade eles se perguntavam como ela havia sido tão lúcida a ponto de chamar socorro…
Enquanto alguns investigavam a casa, agora tratada como cena, outras a levavam à um lugar onde podiam fazer-lhe exames e lhe acolher. Lá, tentaram conversa mas apenas uma delas tiveram sucesso, aquela de cabelos longos, lisos, castanhos – bem parecida com um daqueles achados na casa, já desfalecida. A ligação da menina com aquela que lhe era querida permitiu a aproximação.
Foi descoberto que a mãe havia lhe treinado caso algo acontecesse. ‘Ligue para polícia, diga que está sozinha e que venham lhe ajudar. Desligue, siga para um lugar seguro e espere até que alguém apareça’. E foi exatamente assim que se seguiu.
Eles não entendiam a necessidade que a mãe tinha de lhe orientar. Certamente esperavam que algo acontecesse. Foram brutalmente separadas, o menos trágico é que uma deles sobreviveu para lembrar os momentos em que juntas estavam…
Com o olhar ainda distante, a pequena suspirou e perguntou: ‘ela não vai voltar, né?’ O olhar de sua confidente abaixou e, mesmo sem muito entendimento, ela compreendeu a resposta. Chorou transparecendo a criança que ainda é. Aquela que ali estava a lhe ajudar ficou tão perdida que a abraçou instintivamente. Foi levada aos familiares que chegaram e que lhe sobraram. Um aceno de adeus fechou o dia de ambas.
A mulher com cabelos longos, lisos e castanhos voltou para casa com uma questão a ser respondida: como seria crescer sempre com medo, sempre à espreita de ter que fazer uma ligação de socorro… Sentou no sofá de sua casa com uma taça de vinho e pôs-se a relembrar os dias de infância, quando também jovem perdeu a mãe. Numa das fotos notou-lhe com um livro entre os braços; olhou mais de perto e lá estava um pequeno livro de capa azul bem escuro, de contos infantis, seu preferido, um que valia a pena salvar…
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