Entre tantos minutos escolhi o melhor
Já chegava a hora. Eu sentia o clima diferente, sentia dentro de mim sem ter como explicar, mas sabia que era hora. Só enfiei o pé dentro do tênis já surrado, sujo, merecedor de um belo banho, e extremamente confortável e prático; saí em disparada ao portão.
Nem ouvi quando a histeria de minha mãe passou daquela cabeça doida dela e chegou (ou tentou chegar) aos meus ouvidos já dispersos , meus sentidos estavam focados é no horário, no tempo. Ai, portão trancado. Volto dentro de casa para pegar a chave e ela continua a gritar, agora já com as mãos na cintura, secando-as no avental que achava dar-lhe um ar de dona de casa prendada, esperando talvez que eu entendesse a gravidade da situação e parasse para acudi-la. Sem chance mãe, está na hora.
Abro o portão e nem me dou ao trabalho de tirar a chave do miolo e guardá-la no porta chaves. E ainda correr o risco de ficar surda (minha mãe). Já já volto e levo-a ao lugar novamente, espere só um minuto, já está chegando a hora.
Com falta de ar pela correria toda e, claro, ansiedade, sento-me na muretinha já gasta, com tijolos ainda sem acabamento. A perna encosta na mureta e percebo que me arranhei com o cimento seco e mal feito, riscando minha perna que, não me desperta atenção alguma. Só cuspi na mão e passei na perna para apagar o ‘branco’ que o cimento deixou.
Olhava de um lado, olhava para o outro e nada. Tudo como sempre, sem muito movimento, apenas as poucas pessoas que circulavam àquela hora, voltando de um dia cheio de trabalho. Aquele dia estava particularmente seco, me arranhava a garganta. Tossi e acabei espantando o cachorro da vizinha que passava cambaleando de tanta sede naquele momento. Não sei por que ela não tranca ele, uma hora será atropelado. Este foi o único pensamento solto que tive, acho que até aliviei meus ombros que estavam rígidos pela espera ansiosa e demorada. Eu sabia que era hora mas, nada acontecia.
Os olhos a procurar o movimento pelo qual acordei especialmente naquele dia ficavam em vão passando as linhas amarelas da rua que já apagadas tiravam os limites dos poucos carros a trafegar. Ainda procurando alguma listra pintada no asfalto me assustei quando o ônibus freou bruscamente na parada e abriu a porta de forma ainda mais apressada. Vá, vá seu Zé, deixe-me descer que hoje tenho um encontro. Automaticamente meus olhos encheram-se de lágrimas, foi inevitável e ao mesmo tempo em que aquela frase tão boba chegava aos meus ouvidos como uma melodia de Iara a encantar os pescadores desavisados.
Passei o dorso da mão no rosto para secar aquelas bobeiras úmidas, muito envergonhada. Além disso, queria enxergar bem direitinho o gingado que aqueles passos mostravam aos fazer o trajeto até a casa azul com portão branco. Ainda de longe eu contava as passadas dele e, a medida que eu o sentia próximo ia serrando os olhos até fechá-los para que apenas a sensação de sua presença fosse sentida, absolutamente única e especial. Esqueci que não era possível, eu sentia mais que isso… o cheiro do seu perfume se adiantava e me entorpecia antes mesmo dos meus poucos pelos se arrepiarem pela pequena brisa produzida pelo seu movimento ali, bem ali, pertinho. Naquele minuto passou em minha mente tudo o que deixei de lado para estar ali, naquele exato momento em que o frio causa calor suficiente para me escorrer suor gelado e apropriadamente inconveniente.
Abri os olhos quando escutei o bater do portão branco na grade, já enferrujada, da casa azul. Ele passou. Nossa, foi tão rápido! Intenso, como sempre.
Um peso tomou conta do meu peito, abaixei a cabeça e desci a mureta, cortando, desta vez, a perna. Novamente não me distraiu. Pise no cadarço desamarrado, na pressa nem me dei conta do frouxidão que ficou o nó. Como estava sujo!
Atravessei o portão da minha casa, da azul não seria capaz! Não esqueci a chave no miolo, peguei-a e entrei em casa. Ela ainda estava de pé, ainda estava a gritar, desta vez o som da voz dela era estridente, atingiu meus tímpanos e me tirou do sério. O que fazia sentada nesses cinco minutos na rua? Me deixou falando sozinha menina! Balancei a mão apenas para espantá-la de perto; não era falta de respeito, apenas queria meu espaço para curtir o breve momento de felicidade que tive. Continuei meus passos tristes e cheguei em meu quarto. Sem importar muito com a bagunça da cama, me joguei nela como uma criança confiantemente o faz numa piscina de bolinhas, prestes a se afogar numa felicidade infantil.
Só fechei os olhos, exausta por conta daquela intensidade dos minutos recém vividos. Sem nem fechar a porta do quarto, apaguei com o travesseiro a me acolher a cabeça. Sonhei, acordada (ou dormindo mesmo, não sei, ficava fora de mim às vezes), com ele, claro. Amanhã me farei notar. Lavarei o tênis de manhã cedo!
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