Ela é nuance


Apenas abriu lentamente os olhos, ainda com muito sono, tonta de cansaço, noite mal dormida, sabe? Fechou-os. Ficou por ali algum tempo ainda, imóvel, aguardando o próximo estímulo do seu corpo que a ajudaria a levantar e começar o dia… Mas parece que ele era condizente com seu estado de espírito: inércia.

Pousou a mão lentamente sobre a cabeça tentando lembra-se dos afazeres do dia, queria permitir-se ficar um pouco mais no aconchego solitários dos lençóis. Não teve outro jeito a não ser realmente despertar. Sentou-se na cama, ajeitou a camiseta amarrotada e saiu da cama com os pés descalços a sentir o chão gelado. Nem se preocupou com o caos do quarto, na verdade não o notava, confundia-o com o interno, se acostumou com a bagunça mental tanto quanto a que lhe rodeava o dia, em casa mesmo.

Não era essa desordem que impediria de organizar seu dia nem suas atividades… Tomou o café, gelado, estava desde a noite anterior no fogão; não conteve a careta, engoliu ainda assim e só pensou: ‘let’s wake up!’.

Entrou ao banheiro e sentou-se na privada, de porta aberta mesmo, morava só mas não seria problema se tivesse presença alheia, a privacidade é relativa, pelo menos para ela. Fez um xixi rápido e tomou um banho, este demorado. Lavou a consciência, como sempre o faz pela manhã, deixou o ontem escorrer pelo ralo e ficou limpa para os novos raios de sol que aparecem pela janela embaçada do banheiro.

Preocupou-se com o que vestiria, escolheu a dedo. Preto, salto fino e batom vermelho. Ah, como adora batons. A cor revela uma parte sensual do corpo, por onde emite o que deseja e recebe o que mais gosta.

Aprontou-se e saiu rapidamente ao ouvir o pequeno sinal de chegada do carro a buscá-la. Fechou a porta com força, o barulho ecoou no corredor e a fez enrubescer pelo desconforto causado ao vizinho. Sua imposição era de uma personalidade mais delicada não invasiva, por isso era tão boa no que se propunha a fazer…. chegava de mansinho, deixava-se ser notada quando estava perto demais para uma recusa efetiva… Entrou no carro e notou a gravata diferente daquele dia. O perfume dele também não era o de costume. A excitante novidade a fez ir rápido demais, puxou-o e, num suspiro profundo revelou à ele a atividade daquele dia: só faça, bem feito. O desafio deixou impressões positivas, a pegou pela cintura e descobriu que não era somente o batom que ela gostava vermelho.

Para ela era só mais um dia a ser esquecido quando voltasse à solidão de seu apartamento. Para ele as nuances dela a cada dia despertavam um sentimento de aventura inesquecível. Não queria mais que ela se contentasse com o café gelado, ela recusava a companhia por mais de uma noite. Sua solidão era parte de sua personalidade, se fosse diferente não seria tão interessante. A melancolia de estar sozinha a tornava misteriosa quando em outra companhia, o medo de ficar desinteressante a obrigava ficar só. Esquecem que estar só não é estar vazio , ela sabia disso, gostava de conhecer-se a cada noite e assim, encorajava-se a levantar para mais um dia de gravatas interessantes.

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