Algo sobre o que somos

Despertei vagarosamente; e ainda com os olhos fechados continuei deitada na cama com uma tremenda preguiça. Tentei lembrar sobre a noite passada. Sei que algo aconteceu, não era hábito ficar deitada até tarde na cama, mas, custava até a me localizar direito, na verdade não fazia ideia de onde estava.

A maciez do lençol não era conhecida. Passei a mão levemente no colchão tentando achar alguma prova do acontecimento passado. Não ousava abrir os olhos, procurei os outros sentidos mesmo! Os lençóis ainda quentes me deram a entender que não era apenas o calor do meu próprio corpo que se instalara ali. Um sorriso de canto de boca se fez e me inundei de uma esperança boba, pensando e aguardando seu retorno ao quarto.

Logo me questionei sobre a sua presença, realmente não reconheci o aconchego do quarto. Era para ter me acostumado com a quina da mesa de canto encostando nos meus pés, ou à cortina que me mexia a cada leve brisa que entrava e me arrepiava o braço, ou ainda ao ventilador de teto silencioso, diferente das outras centenas de vezes em que estive aqui. Mesmo assim, despreocupada, espreguicei e tentei expulsar qualquer melancolia que beirava, matinalmente, minha cabeça, desde sua partida. Não eram somente as manhãs que me deixavam de mal humor, mas as manhãs sem você.

O cheirinho de café já invadia o dormitório e me seduzia. Acho que era mais um estímulo a sair dali e lhe encontrar num abraço saudoso. Estiquei a blusa amassada, no corpo, ajeitei os cabelos num coque mal feito e saí descalça, sentindo o chão gelado e úmido. Neste momento me dou conta realmente que não conhecia aquele quarto, nem aquela cama. Já em desespero atravesso a porta única de acesso à cozinha e não vejo você, não vejo ninguém. As xícaras de café, ainda quentinhas, postas cuidadosamente na mesa nem me atiçam o vício.

Ainda sem reconhecer nada do lugar procuro vestígios seus, somente seus. Não penso em mais ninguém. Barulhos no banheiro me fazem bater na porta desesperadamente, procurando alguma explicação. Quem seria? O que seria? O que me faria não estar com você? Apenas abro sem a permissão de quem ali deveria estar. Surge apenas o meu próprio reflexo. Seguro na borda da pia procurando apoio, sinto os sentidos esvaírem do meu corpo. Sou eu, apenas eu, sem você.

O chão gelado me recebe num cair descompensado do meu corpo. Sem jeito, com a cabeça no chão, percebo que apenas a minha presença estivera ali. Fico por minutos, eu acho, na mesma posição, esperando reviver qualquer sentimento que ainda tenha aqui dentro. Só me faço levantar quando noto uma caixa na mesinha de centro, na sala. Tinha escrito seu nome. Consegui chegar até lá, com dificuldade, me faltava perna, pulmão, fluxo, coração. Faltava-me eu com você. Dentro, nossas centenas de fotos tiradas nesses sete poucos anos. Aos poucos o sofá foi ficando familiar, as cores das paredes se ajustaram para as que uso em meu apartamento e o tapete se fez igual ao que me deu em viagem ao Nordeste.

Você se foi, percebi. Com você foram a minha identidade, meu sorriso e a cor do meu apartamento. Meus sentidos e minha melancolia matinal, que nos fazia graça ao acordar, tornaram-se permanentes, assim. Tornou-se permanente, assim como a sólida negritude das minhas paredes. Se foi não por minha vontade, nem sua, nem… Se foi, me olhe, me acolha, me aguarde.

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