Don't tell him, i'll do it
Da infância pouco se lembra. De quebrar a perna, de pegar um banquinho para lavar as louças (ainda nem tinha tamanho), de queimar a barriga com o ferro passando as fraldas do irmão – ainda se vê a marca. Travessuras, alegrias, brincadeiras, coisas de criança.
Mas mesmo tão pequena já sabia que tinha algo especial entre eles. Não sabia o motivo, claro que achava ser normal já que estavam unidos por serem da mesma família, mas era maior que isso.
A sua presença incomodava mas, de uma maneira diferente, como se algo sempre tivesse que ser provado e aprovado. Nem trocar palavras precisavam; bastava um olhar e tudo era dito, sem nenhuma pronúncia.
Sempre tentava alcançar o que lhe era esperado, e ainda assim percebia que ficava devendo em algum aspecto. Notas, comportamento, escolhas… Ficava a dúvida se realmente fazia certo, da maneira correta, na medida certa, na hora apropriada.
A mão pesada de uma correção era a mais esperada para um carinho. Ansiava por um olhar de aprovação daquele de quem nunca soube o que realmente sentia, pensava, queria…
Entre poucas lembranças um episódio ficou marcado. Como mais velha se sentia responsável pelo irmão, assim sempre ajudava a cuidá-lo. Numa das vezes em que o vestia, perdeu a paciência e lhe deu um tapa na perna. Nessa mesma hora, lá estava ele, olhando a cena.
Claro que se seguiu o esperado, a briga. Nesse dia, não quis nem sair do quarto, chorava desesperada. Não pela voz alterada ou pelo possível tapa que recebeu, mas pelo desapontamento de quem mais se quer orgulhar. Depois, o inesperado. Ele voltou e, mesmo sem pedir desculpas, lhe deu um abraço. Isso bastou!
Disso tudo, o que ficou foi a reconciliação. Bom, dizem que as crianças, de tão puras e ingênuas, têm um poder enorme de perdoar, não guardam mágoas. Mas só iria entender que nem tudo o que dizem é verdade.
Anos mais tarde, a relação não muda muito. Discussões, brigas, tempo em que nem se falavam… Achava que tinha se perdido em tantas chateações e era impossível arrumar o que já nasceu diferente.
Quando não mais dividiam o mesmo espaço, a mesma casa, mantinha contato com a mãe. Ela era quem sempre os guiava na verdade – o que também só foi entendido tardiamente.
Sempre foi o porto, a força da casa e que também injustamente foi julgada nos momentos mais críticos (e que merece linhas exclusivas). Falavam ao telefone e ao se despedir pedia:
– Mammy, tell daddy that I love him!
Ela sempre falava: “Eu direi.”
Tenho certeza de que quando ela desligava o telefone nem precisava repassar, ele mesmo já escutava a resposta e entendia o recado daquela que foi embora e que, mesmo com tantas brigas injustas, não infundadas, deixava parte do seu coração para ele, e era uma doação sem retorno, sem devolução.
Hoje, reconhecendo a semelhança e provando, ambos, que não só crianças sabem esquecer o que nem mais fere o coração, ela mesma passa o recado que sempre quis dar, mesmo em pensamento ou orações. Só agora, depois de entender que a vida sempre tem razão é que diz por ela mesma: Daddy, I love you.
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