Frescor da inocência

A juventude ainda lhe fazia visita, na verdade acabara de chegar, seria uma companhia constante por algum tempo. O frescor do seu sorriso era nítido e transmitia alegria sem tamanho. Os cabelos desfiados e bagunçados pelo rosto não lhe tiravam o charme de menina…

Pois sim, passava de menina para mulher. Por fora pouco se percebia… Seus olhos ainda tinham um brilho peculiar. Brilho que, somente aqueles que ainda não viram tudo na vida, têm. A simplicidade ainda era sua casa e conforto. Seus pés pisavam levemente pelo chão, ainda em descoberta deste novo caminho que estava por vir…

Não enxergava as malícias ao redor nem que em si mesma podia ser despertada e, talvez, viraria uma marca própria… assim como a pequena pinta no canto direito da boca. Era ainda tão ingênua que tentava apagar a manchinha escura com pó de maquiagem, mal sabia que poderia conseguir muito com a tal pinta.

As saias ainda eram rodadas, sem marcar curva alguma de seu corpo em formação. Não trocava a xícara de leite matinal por nenhuma de café, nem os desenhos pouco engraçados por capítulos da vida real dos telejornais. Preferia as coloridas páginas de gibis a densas folhas dos livros mais elaborados… Tinha poucas ambições até ali, uma delas, assim como qualquer menina da sua idade com pretensões de vir a ser uma bela mulher, era encontrar um amor. Mas não qualquer amor, um daqueles que se tem para a vida toda. Realmente UM amor.

Isso não duraria muito, essa falta de lucidez, essa imensa insensatez seria apenas uma passagem de seu passado. Se deu conta disso quando escutou a primeira vez sua mãe chorar por mais um amor que passou pela porta e se despediu de vez. Na verdade muitos entram e saem pela porta da pobre velha. A jovem, ainda sem saber do que se tratava, não via as cenas variadas de amor que a mãe se submetia.

Eram tantas lágrimas que a jovem acolheu a mãe em seu colo e pedia apenas seu silêncio. Desesperada a senhora continuava a chorar e esbravejar. Adjetivava o amor de forma que a menina pedia com mais ardor silêncio. Chegava a tapar os ouvidos com suas delicadas e gélidas mãos, mas sem sucesso.

Exausta, apenas se levantou e deixou a velha ali, quase desmaiada de tanto chorar. Foi ao quarto e sentou na cama, atônita. Sozinha, se olhou no pedacinho de espelho que restava pendurado na parede suja. Pegou no canto da cama uma tolha de rosto e limpou o pó que passara em cima da pinta, para disfarça-la. Chegou a se machucar com tanta força que esfregou o rosto. Fitou-se por alguns instantes…

Saiu do quarto e passou pela velha que ainda estava no chão, agora só em suspiros cansados… Postou-se no batente da porta e puxou a lateral da saia até a cintura. Balançou o quadril e esperou… esperou que o amor viesse e lhe pedisse meia hora…

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