Para o amor não encontrado
Nas cartas que trocávamos desde a época em que ela se mudou, de tudo escrevíamos. Ali não sentia nenhum constrangimento. Recordava lembranças de infância, a saudade que sinto dos meus distantes, as frustrações que tenho por imaturidade minha e as confusões sentimentais que me atormentam nas noites mais longas.
Na verdade este é o assunto mais abordado, tanto por ela quanto por mim mesmo. O tema comum me conforta, saber que tenho companhia na dúvida me faz entender que sozinho não estou. Me fazia bem ler nas linhas espaçadas aquela letrinha dela tão bem feita, desenhada, diferente das padronizadas e frias das telas do computador. Sim, sou adepto ao retrô (mais charmoso de se dizer).
O envelope sempre vinha com algum detalhe diferente do anterior. Ou era uma letra, sinal ortográfico ou mesmo um pequeno desenho mal feito, mas, delicadamente colocado de propósito. Geralmente era como um código que eu esperava ansiosamente para decifrar. Na carta os elementos nem sempre eram fáceis, mas sempre, sempre ao final da leitura conseguia decodificar. Estavam interligados: o desenho e a carta em si.
Não é só a brincadeira que me prendia às leituras e me faziam responder imediatamente. As cartas me ajudavam a entender o que mais me afligia, a refletir sobre as questões mais difíceis pra mim. Na verdade, sei que não é pessoal. Encontrar e permanecer com a pessoa por quem se nutre um sentimento verdadeiro não é fácil muito menos simples.
A busca pela companhia de outra pessoa é a fonte de infelicidade do mundo, justamente pela complexidade de se doar e, em minha opinião o mais difícil: de receber, sem restrições, o outro como ele é. Por tantas frustrações é que me sinto menos satisfeito, gradativamente.
Hoje corri ao portão para colher minha carta. Surpreendentemente, logo nas primeiras linhas minha correspondente já adiantou sua dolorosa despedida. Após suas reflexões ela dizia que era cansativo pensar sem saber se o retorno era apenas filosofia barata ou experiência de possível aplicação. “Olhe, não é nada pessoal. Aprecio, mais do que de costume, nossas conversas, mas, pra mim, ficamos por aqui”, simples assim.
Ainda justificando, o que pra mim era apenas injustificável, dizia que essa iniciativa tinha que ser tomada antes que chegássemos a uma conclusão ainda pior: de que não há companhia que valha a pena. Ou antes que tomássemos como filosofia passível de argumentação a nossa falha encontrar as respostas às perguntas que nos preocupam; ou ainda pior, pensar na possibilidade de que elas não podem ser respondidas no fim das contas. “No final é melhor pensar que ficamos por descobrir, isso deixa a esperança sobreviver”.
Foi assim que ela me salvou, e sabia que o faria com essa atitude. Ela sentia que a tinta levemente deixada no papel em forma de letras já não me alimentava, eu já não era mais tocado pela existência do outro como antes e que, possivelmente, cairia no clichê de apenas morrer de amor perdido, ou melhor, não encontrado… Foi assim que ela amorosamente me salvou.
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