Sua honrosa partida

Antes de partir deixou um antigo baú de madeira. Fez questão de me entregar pessoalmente e em mãos (não literalmente né, era enorme). Já velho, pesado, o baú era guardado, naqueles tempos, ao lado da cama. Sempre achei que tinha um mistério envolvido ali, nunca me disse o que guardava nem como o obteve, ele apenas existia e por ali ficava. Então, no dia que resolveu ir embora deixou para trás essa relíquia; não um abraço, muito menos um beijo e nem a explicação de sua partida, apenas o baú.

Curiosa menos do que intrigada, tentei abri-lo, mas, estava fechado com um cadeado bronze. Também aparentando ser bem antigo, o cadeado tinha traços em ouro, como se fossem desenhos sem formas, muito bonito. Daí minha vontade de não quebrá-lo. Mas, sem a chave pouco me restava.

Sentei ao lado dele e tentei imaginar o que seria mais importante do que a presença dele que, foi embora mas, me deu a companhia daquela caixa de madeira. Ainda mais num momento como esse em que a decisão de sua partida foi unilateral. Minha tristeza estava latente mas minha curiosidade aguçada.

Ah, imaginei mil coisas… seriam nossas lembranças bobas de namoro? Ou o cachorro que ele jurava ter fugido? Ou ainda alguma herança que não lhe vale mais? Ah, sei lá, tenho que abri-lo antes que essa curiosidade me mate.

De joelhos, ainda com lágrimas nos olhos peguei ajustei o cadeado nas mãos e com uma chave encontrada debaixo da cama tentei abrir; nada! E nem um mapa de onde esta chave poderia estar ele deixou… Lembrei que atrás da porta que dá acesso ao corredor ele mantinha uma caixa fixa na parede com algumas chaves da casa, do escritório, do sítio… Ali achei a que procurava. Cuidadosamente abri o cadeado com medo do que poderia ver.

Ainda esperançosa de que poderia ser algo relacionado à nós como um provável pedido inusitado de reconciliação, abri a tampa com muita vontade. Fechei imediatamente. Os poucos segundos em que ele permaneceu aberto me deu a noção do que era guardado ali. Doeu o coração, ainda mais a consciência… mas, soube o motivo de sua partida…

O baú guardava cada lamentação, cada discussão, cada reclamação que eu tinha feito durante esses anos. A tristeza ali dentro foi contagiante e arrebatadora. Ele guardou tudo, durante tanto tempo… até que não coube mais. Chorei ainda mais profundamente. Sentei no chão ao lado do meu baú e chorei.

Fiquei ali pensativa durante muito tempo, somente com a companhia do que tinha de pior de mim mesma…

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